Edição: 1
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535902358
Ano: 2002
Páginas: 448
Tradutor: Paulo Henriques Britto
SKOOB
Sinopse: Na tarde mais quente do verão de 1935, na Inglaterra, a adolescente Briony Tallis vê uma cena que vai atormentar a sua imaginação: sua irmã mais velha, sob o olhar de um amigo de infância, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. A partir desse episódio e de uma sucessão de equívocos, a menina, que nutre a ambição de ser escritora, constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. Comete um crime com efeitos devastadores na vida de toda a família e passa o resto de sua existência tentando desfazer o mal que causou.
São muitas as armadilhas da arte de saber contar histórias. Na mente de quem só vê o que quer, e interpreta aquilo que não quer ver como lhe for conveniente, é uma arma muito poderosa. Pois muitos dos que criam mundos em sua mente tendem a “organizar seus pensamentos” a fim de harmonizar a vida real conforme seu próprio roteiro. Redirecionar a todos para o “caminho certo” como nas páginas de um livro. Sim, pode haver o momento onde o real e o imaginário se confundem. Mas e se não for assim? E se a razão der asas à imaginação por seus próprios motivos e propósitos? E se a personalidade de quem conta a história for repleta de obsessão por manipular a criatividade para transformar a realidade no que ela mesma julga ser o correto? E se a vitória por trás da história for simplesmente o poder de ter tudo e todos à sua mercê? Vulneráveis ao seu talento e rendidos pela sua notável inocência... Pode uma criança de 13 anos brincar de Deus? Pode decidir o destino de pessoas como se fossem personagens? Pode tachar alguém de monstro por que acha que deve? Pode mudar para sempre a vida de inúmeras pessoas em um único dia? Pode sim. Se ela for Briony Tallis!
Esse é o centro do enredo de Reparação, romance do premiado autor britânico Ian McEwan e um dos melhores livros que já tive oportunidade de ler. Um romance sobre a fragilidade humana em todos os aspectos: a falha de interpretação de fatos, a incapacidade de ponderar usando a razão sem considerar o preconceito, o nascimento da culpa que atormenta a alma, a necessidade de reparar os erros e os limites do perdão.
Tem mais ou menos uns cinco anos que li esse livro e desde sua primeira página, ele capturou um pedaço do meu coração. Estou há dias tentando escrever uma resenha que faça jus a essa obra, que é de uma genialidade e sensibilidade nos detalhes tão absurda, que posso até contar um segredo: É o livro que EU gostaria de ter escrito! Portanto não me julguem se parecer muito apaixonada nessa resenha. É que sempre é difícil falar das coisas que amamos...
Reparação narra uma história de amor destruída pelo capricho de uma garota mimada, intransigente e dona de uma imaginação extremamente fértil. A estória se passa no verão de 1935 quando Briony, a caçula da família Tallis – aspirante a escritora com total incentivo da família – terminara sua primeira peça teatral: “Arabela em Apuros”. Um “presente” para o adorado irmão mais velho Léon, que viria de Londres acompanhado do amigo Paul Marshal para visitar a família. Porém a chegada dos “primos do norte” alterou a programação perfeitamente planejada por Briony. Após uma tentativa frustrada de fazê-los participar da encenação, Briony tranca-se em seu mundo particular e, sem querer, testemunha à distância uma cena repleta de tensão entre sua irmã Cecilia e o filho da empregada, Robbie Turner, protegido da família. Capturada pela visão e sem compreender o que acontecia naquele momento, onde Cecília parecia submeter-se as exigências de Robbie, Briony põe-se imediatamente a fantasiar milhões de hipóteses absurdas. Mais tarde, ao ser incumbida pelo próprio Robbie de entregar uma carta a Cecília, Briony intrigada com o que viu e as interpretações que floresciam cada vez mais em sua mente, resolve ler a tal carta e, a partir desse momento, decide deliberadamente reconstruir a imagem que tinha do rapaz que conhecia a vida inteira e, com isso desencadear uma série de intrigas, equívocos, pré-julgamentos e um falso testemunho que resultará numa tragédia que mudará a vida de todos. Um único dia sob o olhar de Briony Tallys mudará tudo!
McEwan construiu uma verdadeira obra de arte em sua narrativa, pois escreve capítulos em terceira e primeira pessoa, narrando e descrevendo minuciosamente os diferentes ângulos de uma mesma cena, alternando o ponto de vista dos protagonistas Briony, Robbie e Cecília. Isso faz toda a diferença na estória, pois permite que o leitor fique imerso nos muitos aspectos da personalidade de cada um dos personagens. E é na riqueza desses detalhes que percebemos que nada acontece gratuitamente em Reparação. Seu próprio título carrega um duplo sentido: reparar/observar e reparar/ compensar.
O livro é dividido em quatro momentos (por que não ATOS?) bem distintos entre si. O Primeiro momento narra o malfadado dia em que Briony sela o destino de Robbie, com um testemunho fantasioso, vingativo, ciumento, mentiroso, mas absolutamente decisivo. O segundo foca no amor do casal separado. A ida de Robbie para a prisão e em seguida para os horrores da guerra e a fuga de Cecília para tornar-se enfermeira, cortando relações com a família. A troca de correspondência entre os dois, os pedidos de Cecília para que ele voltasse, pois esperaria por ele. E a promessa de que ele voltaria, limparia seu nome, casaria com ela e viveriam de cabeça erguida. O amor prevalecendo à raiva de sonhos interrompidos, oportunidades negadas pelas adversidades do passado. O terceiro momento é dedicado à tentativa de Briony de “reparar” seus erros desistindo da faculdade que tanto sonhou para se tornar enfermeira e seguir os passos da irmã num trabalho braçal, atormentada pela culpa e remorso. Onde cada morte horrível de um soldado a faz lembrar de Robbie. Onde tenta seguir o caminho que inocentaria Robbie, reataria com a irmã e por fim corrigiria seu grande ato de covardia. A extensão das conseqüências do egoísmo e leviandade de Briony é explorado até a última gota por McEwan, numa maestria que só consegue ser superada na quarta e última parte do livro, que eu chamo de a “Hora da Verdade”. Comentar essa parte seria arruinar uma leitura perfeita. Só posso dizer que é magistral e que mostra que Ian McEwan é um escritor a altura de seus temas. Capaz de criar um livro de argumento perfeito, trama extremamente envolvente, com um final avassalador e perfeito que ecoa na mente do leitor por muito tempo.
Em minha opinião a protagonista do Romance de Ian McEwan é de fato uma antagonista. Uma das piores vilãs que já conheci. Briony Tallis é o sonho de muitos escritores. Uma vilã que deriva da imaturidade e do excesso de imaginação, justificada por seus olhos de criança inocente, mas que traz consigo todo um histórico de egoísmo, ciúmes, manipulação e controle das pessoas ao seu redor, sob a capa da virtuosidade de um futuro talento literário. Não acredito que em minhas andanças literárias já tenha esbarrado em uma personagem tão complexa! As vezes a confundimos com a heroína em busca de redenção, mas as entrelinhas ressaltam as principais características de Briony: covardia e dissimulação.
A minha dica é: leia este livro como a um clássico, não espere textos banais, ou clichês. A linguagem é simples, envolvente e de uma qualidade admirável, sem que o leitor precise ter um dicionário ao lado (Afinal quem disse que texto bom é aquele que só tem palavras que ninguém sabe o que significa?). Em alguns momentos no início tem um ritmo um pouco lento, mas é proposital! Continue e não se arrependerá! É um romance sério, carregado de sentimentos reprimidos, com um conteúdo rico em conflitos e questionamentos comportamentais, avassalador e que provavelmente te fará chorar por dias... Definitivamente Esplêndido!
Sobre o Autor:
Ian McEwan nasceu em 21 de Junho de 1948, em Aldershot, Inglaterra. Ele estudou na Universidade de Sussex , onde recebeu um diploma de bacharel em Inglês e Literatura em 1970 e seu diploma de mestrado em Inglês e Literatura da Universidade de East Anglia. Ele publicou duas coletâneas de contos e uma série de romances como: A Criança no Tempo, O jardim de Cimento, O Inocente, Amsterdã, Amor para Sempre, Na Praia, Reparação, Sábado e Solar. As obras de McEwan lhe valeram a aclamação da crítica mundial. Considerado o maior escritor inglês contemporâneo, sua imensa fila de prêmios acumulados em 35 anos de carreira, entre eles o Whitbread Awards (1987) e o Man Booker Prize (1998), assim como incontáveis críticas de êxito, mostram um pouco de sua genialidade narrativa.
Ian McEwan mora em Londres e seu próximo romance Sweet Tooth, tem previsão de publicação no Brasil pela Companhia das Letras em Julho.