quarta-feira, 28 de março de 2012

Resenha: Talvez uma História de Amor - Martin Page

Título Original: Peut-Être Une Histoire D’Amour
Tradução:
Bernardo Ajzenberg 
ISBN: 9788532524768_
Editora: Rocco
Sinopse: Este livro conta a história de Virgile - anti-herói distraído, contraditório e solitário, que um dia chega em casa do trabalho e ouve em sua secretária eletrônica um recado duro, seco e forte de alguém terminando com ele, sem ter a menor ideia de quem seja essa pessoa. O autor, então, explora o pânico que toma conta de Virgile diante de evidências que o aproximam de uma suposta ex-namorada. Quem, afinal, era Clara? Só, ansioso e deprimido, Virgile decide - em uma reviravolta - recuperar essa mulher que desconhece.

Sabe que aquele livro que a capa parece dizer tudo sobre ele mas não é bem assim? Pois esse é exatamente o caso aqui! Em minhas andanças pelas livrarias dei de cara com essa capa onde uma moça, ou pelo menos parte dela, aparece sentada sobre uma secretária eletrônica. Digamos que isso é, no mínimo, curioso. Ao lado de suas pernas e um belo par de sapatos (confesso, foi o que eu vi primeiro), tinha um título bem sugestivo para as românticas de plantão e o nome do autor: Martin Page. Fazia um bom tempo que eu andava querendo ler alguma coisa dele, pois já tinha ouvido falar sobre seu famoso texto ácido e irônico e extremamente inteligente. Depois dessa, após ler a sinopse não resisti, eu TINHA que ler esse livro!

Imagine só essa situação: o moço chega em casa pensando em 200 milhões de coisas ao mesmo tempo, cansado depois de um dia de trabalho e encontra o seguinte recado: “Virgile, aqui é Clara. Sinto muito, mas prefiro que a gente pare por aqui. Vou me separar de você, Virgile. Não quero mais.”
Ok, a namorada terminou com ele... o que tem demais nisso? Não teria absolutamente nada demais se não fosse o simples fato de que Virgile não tem sequer uma lembrança da tal Clara, quanto mais de um relacionamento para ser terminado. Imediatamente, Virgile, que não é o que se possa chamar de “mocinho tradicional”, teve uma verdadeira crise de pânico, recheada de conjecturas sobre a dor que estava sentindo por ser deixado e a loucura que isso representava uma vez que não conhecia a garota. Seria um trote? Ela errou o telefone? Mas o nome era o dele! Então ele estava com amnésia? Ou pior, poderia estar louco, ter dupla personalidade, estar à beira da morte... Com o cérebro fervilhando de possibilidades, Virgile dá início a uma jornada que vai mudar sua vida. De repente, todas as certezas do mundo sistemático e esquisito de Virgile caíram por terra. Tudo por conta da voz de uma mulher.

Preciso falar que esse livro foi uma baita surpresa pra mim. Por que julgando pela capa ele sugere uma história de amor super melodramática, de encontros, desencontros e mal entendidos que resulta num conto de fadas inesquecível, mas em suas páginas o que eu encontrei foi muito melhor!!! O livro tem um humor inteligente, sagaz, não tem absolutamente nada de meloso, muito pelo contrário, chega a ser comicamente cruel na narração da realidade. O protagonista é uma verdadeira figura! Um cara solteiro, que vive em um apartamento num prédio onde todas as suas vizinhas são prostitutas e “trabalham” em casa, que deixa a comida apodrecer na sua geladeira, que rejeita promoções no trabalho pois acha que a melhor maneira de viver é ficar “invisível”, que se apaixona por todas as mulheres que conhece, para em seguida decidir que por algum motivo qualquer só servem para ser amigas, que tem uma relação possessiva com a psicanalista, é extremamente neurótico e, ao mesmo tempo, é dono de brilhantes teorias absurdas. Virgile é um anti-heroi completo! E apaixonante! Por que se num momento você consegue sentir ódio desse personagem maluco, no outro você está numa torcida desenfreada por ele. E quantas vezes eu parei e pensei: “Sabe que o Virgile tem razão?”

Vai entender né? Só sei que Martin Page consegue nos segurar até a última página na incerteza de Virgile em relação a Clara. E de forma sinuosa, repleta de detalhes e reflexões sobre o amor e a vida, sua narrativa dissimula completamente TUDO no livro. Talvez esse tenha sido o motivo de muitos comentários negativos que vi sobre ele em algumas redes sociais. Mas, em minha opinião sincera, acho que na maioria dos casos, o problema foi a falta de sensibilidade do leitor para perceber que desde o primeiro capítulo o livro foge dos clichês românticos, é uma tragicomédia super contemporânea, que mostra personagens reais e problemáticos, numa Paris nada glamurosa. O autor explora uma série de reviravoltas brilhantemente construídas a partir da nuance do personagem principal: um publicitário anti-social, cético, contraditório e cheio convicções não-convencionais, que busca rever seus conceitos e buscar um sentido na vida-sem-noção que leva, a partir da chacoalhada que Clara dá na rotina dele.
“O Chá tinha se amornado. Clara fazia-lhe falta. Aquela mulher de quem ele não se recordava lhe fazia falta. Durante vinte e quatro horas acreditar que tivessem tido um caso, imaginara seu amor com sinceridade. Depois, durante uma semana, fingira chorar a separação. Estupefato, constatava agora, que a sua não relação não apagava a construção de sua ligação. Como se fingir um coração partido lhe tivesse realmente partido o coração.” 

O livro é também uma homenagem a Paris, pois até nisso o autor foge do convencional. Ele descreve a Paris dos franceses e não a dos turistas, a partir das andanças de Virgile. Sem ser enfadonho ou desnecessário Page nos mostra o dia a dia de uma metrópole linda, mas que não é só um cartão postal e, que mesmo em sua realidade mais crua, ainda é apaixonante.
Nas divagações de Virgile vi também declarações de amor a publicidade, mesmo quando ele queria denegrir a profissão ou criticar o consumismo. Como ela está presente em nossas vidas sem que nem sequer possamos perceber. Tudo isso é narrado por Page sem fugir um segundo do contexto.

Portanto, a minha dica é: leia Talvez Uma História de Amor, sem a expectativa do amor no estilo romance de banca. Vale a pena cada página. O texto é inteligente, engraçado, flui rápido, traz personagens interessantes e, o melhor de tudo, diferentes! Recomendadíssimo! 

Só pra vocês sentirem o gostinho, separei o que chamo de "QUOTES DO VIRGILE":
“Como as relações sexuais, a morte também requer preliminares. O cansaço, as desilusões e as doenças são as carícias e os beijos que relaxam os músculos e permitem à morte que nos leve suavemente. Virgile não estava pronto; sua capacidade de produzir sofrimento e dramas não tinha sido ainda totalmente esgotada.”
“A longevidade das marcas, observava ele, supera a dos casamentos. Elas proporcionam um sentimento de continuidade e segurança; se as pessoas não acreditarem nas marcas em que mais acreditarão? O consumo permite que nos mantenhamos vivos em um mundo sem Deus, sem causas coletivas e onde as histórias sentimentais não duram mais do que dois anos.”
“Na maioria dos casos, os seres humanos são providos de defesas imunológicas bastante eficazes para poderem se expor ao amor. Uma parte de nós anseia por fundir-se na suavidade de uma relação romântica, mas essa parte é frágil e sucumbe ao ataque dos anticorpos. Ao contrário de um vírus, o amor verdadeiro só se desenvolve a partir das coisas inanimadas: quanto mais morto, mais os planos do nosso coração têm chance de se realizar. Os monumentos as obras de arte, as velhas cidades são nosso único meio de conhecer a alegria dos sentimentos duradouros.”
“Paris nunca o abandonaria. Paris estava ali sempre que ele precisava. Paris não exigia sair de férias para alguma ilha paradisíaca, com praias nojentas, cheias de óleos e cremes e sol. Paris não estava nem aí se ele ficava sem lavar a louça uma semana, se não fazia a barba ou se se vestia mal. Paris o amava.”
Ninguém admitiria isso, mas o fato é que não há nada para comemorar quando nossos amigos dão certo na vida e se apaixonam, pois isso os afasta de nós. Os grupos mais sólidos de amigos se apoiam em fracassos profissionais e sentimentais.
“Há um paralelo perturbador entre o crescimento do turismo e a multiplicação de casos sentimentais. Amamos da mesma forma como viajamos, por períodos curtos e seguindo roteiros predeterminados. Apaixonamo-nos para ter lembranças, cartas, um conjunto de sensações, novas cores em nossas íris; para ter o que contar no escritório, aos nossos amigos, ao nosso psicanalista. Não existe diferença entre o amor e as viagens, pois sempre voltamos a eles.”
“As compras proporcionam uma oportunidade de compartilhar uma experiência coletiva e mística. Avançamos uns ao lado dos outros. Cada um carrega sua cesta ou empurra seu carrinho. Ninguém esconde suas compras. As cestas revelam a nossa intimidade: ficamos sabendo de tudo sobre os nossos banheiros, sobre o que há em nossas geladeiras e a composição de nossas famílias. A exposição inocente é a regra. Ficamos nus como criancinhas, e isso não nos incomoda.” 

Martin Page  é autor dos best-sellers Como Me Tornei Estúpido (ganhador do prêmio literário Euregio-Schüler em 2004) e A Gente se Acostuma com o Fim do Mundo, sendo considerado um talento dos dramas contemporâneos. Aos 36 anos, é um dos escritores franceses mais traduzidos da nova geração.

5 comentários:

Anônimo disse...

Não conhecia esse livro, pelo e título e pela capa também achei que era um romance melodramático. Sua resenha me deixou muito curiosa para ler o livro, quero muito ler ele.

Gleice Couto disse...

Gente... Vou amar esse livro, certeza!!!! HAHAHAHAHA Tenho que parar de vir aqui, pois toda vez, a minha pilha de livro aumenta e a culpa é sua!
Sua resenhas são ótimas, e os livro que escolhe pra ler, melhores ainda.

Beijos

Gleice
www.murmuriospessoais.com

Elis Culceag disse...

Oi Paulinha!
Sem dúvida o livro contém um texto inteligente, de um escritor inteligente, e se o leitor não estiver acostumado a isso ou não estiver procurando por isso, sairá dizendo que o livro não é bom.
Talvez a capa do livro tenha alguma responsabilidade, já que evoca a impressão de que trata-se de um romance ou Chick-lit(pelo menos quando eu olhei antes de ler a resenha, pensei que era).
Adorei os "QUOTES DO VIRGILE" que você separou!
Beijos... Elis Culceag.
www.arquivopassional.com

Lilian Sinfronio disse...

Juro que não tinha entendido que era uma secretaria eletronica e a primeira coisa que vi foram os sapatos =)
Conhecia por nome algumas obras do autor, mas não associei quando li na resenha, so no final com a pequena biografia que vc colocou.
Adoro sua maneira de escrever resenhas, sem resumos desnecessarios e cheia de suas opiniões =) parabéns.
Gostei muito do que li e acho que esse é bem o livro que gostaria, mas a rocco pratica uns preços proibitivos pra mim rsrs quem sabe em uma promoção do Submarino mais pra frente?

Bjokas

Unknown disse...

Bela capa!!!!! Não li o livro. Mas prometo dar uma olhada.

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